sábado, 8 de fevereiro de 2014

História dos municípios e forais

1. Municípios, terras e julgados.

Quando se fala de um município ou de um concelho não se está a dizer a mesma coisa que se dirá ao falar de uma terra ou de um julgado: vocábulos que hoje, com frequência, se usam em sentido equívoco, mas que inicialmente correspondiam a realidades distintas. Convém entender o significado exacto destes termos, assim como o de outros que aparecem com frequência quando se estudam os primeiros séculos da história de Portugal.
 As terras ou tenências equivaliam a circunscrições territoriais, em que esteve dividido o território, nos tempos mais recuados, para fins de organização militar: um tenens ou rico-homem estava à frente de cada uma dessas terras, cujas áreas geográficas variavam frequentemente, como verificamos pelos documentos, ao comparar o elenco dos confirmantes de diversos diplomas dos séculos XII, XIII e XIV.
Os julgados eram divisões territoriais estabelecidas para fins de administração da justiça, e tinham um juiz à sua frente – e aqui juiz entende-se já no sentido actual. Numa reunião da cúria régia, em 1211, foi determinada a criação de juízes por todo o reino, ao estipular-se que não houvesse qualquer terra que não estivesse sob a alçada de um juiz, isto é, que não estivesse integrada num julgado: nenhum habitante poderia furtar-se desde então à autoridade do juiz, ou ao seu juízo, em caso de delito ou de contenda, e muito menos cair, por usurpação, sob a alçada de autoridades estranhas, como os senhores de algum couto (domínio eclesiástico) ou de alguma honra (domínio nobre), a que a localidade onde vivia o súbdito de facto não pertencia. Ao contrário do que por vezes se tem dito, não se instituíram então os julgados, mas apenas se determinou a sua extensão a todo o reino. Há, com efeito, referências anteriores a vários julgados e muitas mais aos juízes que, pelo menos desde cerca de 1135, existiam em quase todos os municípios.
O município é uma comunidade local dotada de autonomia na condução dos seus destinos. A palavra município não aparece na antiga documentação, embora a usemos com frequência para designar aquela realidade que nos tempos recentes é costume designar com a palavra concelho, e que engloba o território, as gentes e os respectivos órgãos de governo local. Raramente a palavra concílio, sua equivalente na versão latina, aparece nesse sentido nos documentos do séc. XII e XIII. Quando se referem ao município, e sobretudo à comunidade que o integra, os documentos usam, conforme os casos, as palavras «vila», «cidade», «moradores», «habitantes», ou os plurais «vós» ou, quando é o concelho a pronunciar-se, «nós».
Nos mais antigos documentos, concelho entendia-se quer em sentido amplo – e designava a assembleia (do latim, concilium) em que se reuniam os chefes de família, para tratar dos mais importantes assuntos de interesse local – ou em sentido restrito (conselho, do latim, consilium), para designar um pequeno grupo, responsável pela condução dos destinos da comunidade. Este órgão colectivo, que representava a comunidade e tratava do seu governo, é essencial para que se possa dizer que em alguma localidade existia um município.
Com diversas designações se referiam as pessoas que compunham o conce­lho, entendido no sentido mais restrito: ou genericamente, sem lhes aplicar qualquer nome, mas supondo apenas que eram recrutadas entre os homens-bons (por homem-bom entende-se alguém que não está sujeito a qualquer tipo de dependência, familiar, económica ou social, isto é, um chefe de família que vive exclusivamente dos seus rendimentos); ou como alcaldes, no grupo de municípios que receberam um foral que teve como paradigma o de Numão; como justiças, no grupo de Tomar; ou ainda como de alvazis, designação de origem muçulmana, usada a partir de finais do século XII, nos municípios que receberam o foral de 1179.
O homem que presidia a este concelho era normalmente o juiz, mas em algumas localidades recebia outras denominações, o que por vezes correspondia à acumulação de várias funções: podia ser o alcaide[1], e nessa altura competiam-lhe também atribuições militares; podia chamar-se alvazir ou alvazil; e um pouco mais tarde, sob a influência do incipiente estudo do direito romano em Portugal, podia ter o nome de pretor.
Por volta de 1135, como já se referiu, os municípios começaram a reivindicar, e conseguiram obter do rei, o reconhecimento do direito de escolherem eles próprios o juiz que presidia ao concelho. Esta característica contribuirá para distinguir definitivamente o município do simples julgado.

2. Forais Antigos.

Os documentos através dos quais a maior parte dos antigos municípios adquiriu existência oficial chamam-se forais[2]. O foral, em muitas circunstâncias, era o documento que iniciava ou que levava à organização de uma nova comunidade; noutros casos, reconhecia e confirmava oficialmente uma comunidade já existente. Nele se definia o território que ficava a pertencer ao município, concedendo-lhe um determinado grau de autonomia; nele se definiam as regras gerais a observar na gestão dos interesses comuns e nas relações entre os seus membros, e destes com os outros indivíduos que viviam fora do termo do concelho, e, de um modo especial, com o Rei, ou, mais raramente, com um senhorio, quando dele estavam dependentes. O foral revestia, por regra, a natureza de documento clarificador e definidor das obrigações e dos direitos fundamentais ou, como na época se dizia, dos privilégios dos munícipes. Através do foral, se favorecia o estabelecimento de novos aglomerados habitacionais ou se criavam estímulos ao desenvolvimento dos já existentes, fixando moradores, promovendo o arroteamento e a exploração das terras, incrementando as trocas económicas, criando estruturas de apoio aos viandantes, no cruzamento dos mais importantes eixos viários, facultando os mais elementares meios de protecção civil e política aos homens livres de parcos recursos económicos, contrabalançando os poderes senhoriais discricionários, de modo a cercear o seu excessivo crescimento e a evitar a subjugação dos mais fracos pelos mais fortes.
Para além da consecução destes objectivos, mais ou menos imediatos, a criação dos municípios permitiu que outros objectivos de fundo se atingissem, como o desenvolvimento económico e social de todo país, no seu conjunto, e a consolidação e defesa das fronteiras, perante as ameaças externas. Naturalmente, a criação de uma importante rede de municípios, numa fase inicial, revelou-se o instrumento mais adequado para organizar e gerir a população dos espaços rurais e dos centros urbanos, e ainda para arrecadar uma boa parte dos proventos necessários ao funcionamento do governo central. A sua distribuição, de norte a sul, por todo o território, com os respectivos centros urbanos, a sua ligação por uma rede viária sumariamente correspondente às necessidades da época, acompanhada pela realização de feiras periódicas, cada vez em maior número, proporcionou a crescente animação da economia, a produção de excedentes, a multiplicação das trocas e a circulação de pessoas e bens através do território, ao mesmo tempo que despertava e favorecia o desenvolvimento dessa consciência da unidade na diversidade, que se tornou a base do sentimento nacional.

3. Corregedores e vereadores.

Após a morte de D. Dinis, a dinâmica que até aí presidiu à história dos concelhos, começou a abrandar. Diminui consideravelmente a criação de novos municípios através da outorga de forais. Essa diminuição deve-se, por um lado, ao facto de a rede de municípios já cobrir satisfatoriamente a maior parte do território. Por outro lado, à falta de estímulo, resultante da pressão do centralismo régio, traduzido não só numa legislação que se aplicava do mesmo modo em todo o lado, sem levar em conta a história das várias comunidades e as suas especificidades, mas também na crescente intromissão dos funcionários régios, especialmente dos juízes de fora e de corregedores, nomeados pelo governo central, nos assuntos locais. A missão inicialmente atribuída a estes era a de tornar mais eficiente a justiça e a administração, corrigindo os erros, suprindo a ineficácia dos juízes locais, remediando a inépcia dos membros dos órgãos concelhios e dos funcionários municipais, mas os povos acabarão por ter razões para se queixarem das suas prepotências e das suas exorbitâncias.
A nomeação pelo corregedor de “vedores”, pouco depois designados como “vereadores”, que se reuniam, em lugar de acesso vedado ao público, para decidirem acerca do que lhes parecesse mais adequado ao governo dos concelhos, como determinava a lei que veio a ser integrada na versão de 1349 do Regimento dos Corregedores[3], não era compatível com o espírito inicial dos municípios.
A eleição dos vereadores em reunião do concelho alargada a todos os homens-bons foi definitivamente limitada pela Ordenação dos Pelouros, promulgada por D. João I, em 12 de Junho de 1391, que passou a constituir, a nível dos concelhos, o mais antigo sistema eleitoral que se conhece. Segundo essa Lei, ficava nas mãos de uma elite a condução dos destinos do município, uma vez que o exercício das funções da governação local se restringia a um grupo escolhido de cidadãos. Com efeito, determinava esta Ordenação que em cada concelho se organizassem e mantivessem actualizadas listas de pessoas idóneas para o exercício dos vários cargos municipais (juízes, vereadores, procuradores), fazendo-se um rol distinto para cada um desses cargos. O nome dos assim recenseados era escrito num papel, e este colocado numa bola de cera (o “pelouro”), por sua vez guardada numa arca – a arca dos pelouros – de onde se fazia o sorteio dos homens que exerceriam cada ano[4].
Mas nem tudo era negativo. Na realidade, embora quase se tenha deixado de outorgar forais, registava-se gradualmente no país uma evolução que aproximava e depois conduzia à municipalização de muitos territórios, dependentes do governo central, os julgados, ou de entidades não régias, até aí designados como coutos e honras. Essa evolução é testemunhada pelos processos constantes do chamado “Chamamento Geral”, posto em marcha por D. Afonso IV, através do qual somos informados da existência de cerca de duas centenas de coutos, honras e outras localidades de senhorio privado, cujos moradores elegiam o seu juiz[i][5]. Se isto sucedia nesses territórios, com maior força de razão havia de acontecer nos julgados, de directa dependência régia.
Dentro do que acabamos de afirmar, muitas terras, espalhadas por todo o país, transformadas em julgados e equiparadas aos antigos concelhos, não tiveram um foral anterior ao reinado de D. Manuel, e, de algum modo, podemos dizer que nem dele necessitaram. Quanto ao funcionamento das suas estruturas internas, nas relações dos munícipes entre si e com o exterior, regular-se-iam pelas leis gerais, que gradualmente se foram publicando. No aspecto fiscal e no pagamento de rendas, tomavam como referência o registo desses encargos conforme constavam das Inquirições, designadamente das Inquirições de D. Afonso II, que, a norte, foram apenas até ao rio Lima, e das Inquirições de D. Afonso III. Quando não há outros documentos, é a estas Inquirições que se faz referência, ao mencionar o foral antigo, designadamente nos processos relacionados com a outorga dos forais manuelinos.

4. Forais manuelinos.

Com a passagem do tempo, a elaboração de legislação geral destinada a ser aplicada por igual em todo o país, e a difusão gradual do estudo do direito romano, somadas à actuação dos funcionários nomeados pela Coroa, fizeram com que muitas cláusulas dos forais e de outros documentos equivalentes, que orientavam a governação local, quando não havia outras leis, se considerassem ultrapassadas e por vezes até se tornassem obsoletas. A própria evolução da linguagem, contribuiu para os tornar menos inteligíveis para quem desejasse recorrer a eles com o objectivo de impor deveres ou de reivindicar direitos.
Com a publicação das colectâneas de leis designadas como Ordenações, mantinham-se em vigor apenas as cláusulas fiscais, mas até estas se revelaram insuficientes. Muitos poderosos se aproveitaram da situação para exercerem arbitrariedades, cometendo os mais diversos abusos, de que os povos, através dos respectivos procuradores, se haviam de queixar repetidamente nas Cortes. Nas de Coimbra-Évora, de 1472-1473, insiste-se publicamente, pela primeira vez, na necessidade de reformar os antigos diplomas, considerando que eles se achavam gastos e mesmo rotos ou adulterados, sem autenticação, e eram abusivamente interpretados.
D. Afonso V, respondendo às reclamações dos concelhos, tomou as primeiras medidas, ordenando a recolha dos forais e de outras cartas equiparáveis, para fazer a comparação com os originais existentes na Torre do Tombo, supervisionada pelo Juiz dos Feitos de El-Rei, e, em consequência, se proceder à elaboração de novos forais, expurgados de todas as adulterações e acrescentos espúrios, de modo a esclarecer as dúvidas e a evitar os agravos que se faziam ao povo[6].
A recolha iniciou-se, de facto, começando pela comarca de Entre-Tejo-e-Guadiana, mas o processo arrastou-se com lentidão... Entre outras razões, porque, sendo uma obra ciclópica, estava a cargo de um único funcionário, o referido Juiz dos Feitos de El-Rei, e não havia o arrojo suficiente para lhe agregar o número de pessoas necessárias para a levar a bom termo.
Quando D. Manuel I subiu ao trono, em 25 de Outubro de 1495, a reforma estava longe de se concretizar. Nas Cortes de Montemor-o-Novo, ainda em 1495, os municípios, através dos procuradores, insistiam novamente na sua necessidade, considerando que a revisão era uma medida fundamental, “por ser coisa em que recebiam grandes opressões e discórdias”[7].
Apostado em resolver definitivamente o problema, D. Manuel nomeou para esse efeito uma comissão especial, constituída pelos doutores Rui Boto, Chanceler-mor do Reino, e João Façanha, Desembargador, e por Fernão de Pina, Cavaleiro da Casa Real, determinando que essa comissão devia ser permanentemente integrada por três membros, preenchendo-se a vaga logo que algum deles faltasse[8]. Gradualmente foram-lhe acrescentados outros colaboradores.
A elaboração dos forais novos passava por várias fases. Num primeiro momento, recolhiam-se os antigos diplomas, devendo os concelhos remetê-los à Comissão nomeada por D. Manuel. Nas localidades onde se cobravam portagens e outros direitos reais, que não constavam de algum foral ou documento, as Câmaras deviam reunir-se, com os oficiais e homens bons, e registá-los por escrito, remetendo uma cópia para Lisboa[9].
Para completar o trabalho de recolha, esclarecer as dúvidas entretanto levantadas e colmatar as falhas de informação, Fernão de Pina deslocou-se pessoalmente a vários lugares do reino, onde procedeu a inquirições in loco ou promoveu a sua realização por parte dos responsáveis concelhios. Com base no material assim recolhido, organizava os processos, que depois eram submetidos ao despacho da Comissão, que aprovava os textos propostos ou os submetia a modificações e acréscimos e rubricava os diversos artigos.
Passava-se então à redacção final[10], a cargo do escrivão da Chancelaria e dos seus ajudantes, que, uma vez concluído o seu trabalho, o enviavam, pelo porteiro, a casa do Chanceler, que o fazia selar na sua presença, daí sendo levado à casa do escrivão, que lançava no documento a nota dos respectivos custos.
Como estipulava a já referida carta régia de 26 de Agosto de 1504, e consta da parte final de cada um dos forais, deviam estes ser elaborados em triplicado: um exemplar para a Câmara do respectivo concelho, outro para a entidade que detinha o senhorio da terra e outro para guardar no arquivo da Torre do Tombo. Parece que, na prática, em vez de elaborar o exemplar destinado à Torre do Tombo, a Comissão decidiu proceder ao seu registo nos Livros dos Forais Novos, organizados por comarcas ou áreas geográficas: Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes, Beira, Estremadura, Entre Tejo e Guadiana. Os exemplares que se encontram nos arquivos oficiais, ou nas mãos dos particulares, são os que eram destinados aos concelhos ou aos respectivos donatários, sendo verdade que muitos se perderam.
Concluído o diploma, Fernão de Pina procedia ao registo no respectivo livro da Chancelaria e, em concomitância, após o texto de cada exemplar, acrescentava a anotação “Registado no Tombo”.
Seguia-se, finalmente, a “consulta pública”: os forais eram levados a cada uma das terras a que diziam respeito, e, convocadas as autoridades locais e o povo, procedia-se à última formalidade do processo, a “publicação”, exigida para que o documento obtivesse força de lei e todos fossem obrigados a acatá-lo. Após a publicação, fundamentados no vexame que da cláusula reclamada resultaria para os povos, podiam ser apresentados embargos, no prazo de quatro meses, para os forais já em vigor nos concelhos, ou de um mês, quando já estavam pendentes em juízo contencioso[11]. Além dos concelhos a que os forais se destinavam, eram também ouvidos, quando fosse o caso, os respectivos donatários. Por esse motivo, alguns forais contêm adendas que explicitam dúvidas relativas ao seu conteúdo ou dão resposta a reclamações apresentadas pelos concelhos ou pelos donatários.

Iniciado com o de Lisboa, o processo de elaboração dos forais manuelinos continuou com os do Algarve, e os do norte, especialmente os do Minho, contam-se entre os últimos a merecerem a atenção da comissão nomeada por D. Manuel. Note-se, porém, que a data de outorga não traduz a ordem seguida no início do respectivo processo em relação a cada um dos forais. A complexidade desta operação, exigindo, com frequência, inquirições locais e defrontando-se com resistências e contestações por parte das populações e de outros interessados, designadamente por parte das entidades senhoriais, que por vezes tiveram de ser resolvidas através de negociações, levaram a que os vários processos tivessem um calendarização diversa, protelando-se por vezes a data da outorga final, que, em alguns casos nem chegou a acontecer[12].

     É de notar que aquilo que acabamos de designar como outorga, a que corresponde a data assinalada no foral, não equivale à sua entrada em vigor. Esta dar-se-ia com a publicação na localidade a que o foral se destinava, feita por um alto funcionário régio, através da leitura do diploma em voz alta, perante as autoridades municipais e o povo, convocados para o efeito, sendo desse acto lavrada a correspondente acta, que, na maior parte das terras, se encontra exarada após o texto do foral.

Entre 1499 e 1520, foram outorgados mais de quinhentos forais novos, tendo-se registado o maior número de outorgas entre os anos de 1512 e 1516. Segundo a contagem a que procedemos, tendo por base os livros da Chancelaria, o número total de forais, andaria pelos 522, mas este número pode variar, porque alguns registos elaborados em sequência, como se fossem um só, podem ter dado origem a diplomas independentes.
Como advertimos, parece que, em vez de elaborar o exemplar destinado à Torre do Tombo, de acordo com a orientação inicial, a Comissão encarregada da elaboração dos forais decidiu proceder ao seu registo nos Livros dos Forais Novos, em número de cinco, correspondentes a outras tantas comarcas ou áreas geográficas: Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes, Beira, Estremadura, Entre Tejo e Guadiana. Tirando o protocolo inicial, aí é copiado o conteúdo de cada foral, na totalidade, quando se trata de matérias de âmbito exclusivamente local, ou fazendo o envio para outro ou outros forais que naquela matéria lhe serviram de paradigma. Apenas o texto dos forais de Silves (1504), Guarda e Abrantes (1510), Estremoz, Elvas e Santiago de Cacém (1512) e Guimarães (1517) foram transcritos na íntegra.
É dos registos, bastante completos[13], lançado nos Livros dos Forais Novos das cinco Comarcas em que o país  se repartia, guardados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, que felizmente dispomos para conhecer a existência e o conteúdo da maior parte dos forais manuelinos[14]. Baseamo-nos nesses registos para elaborar um quadro de todos os forais manuelinos. Com base nesse quadro, podemos organizar o mapa global dos forais outorgados e o respectivo gráfico.

Note-se, porém, que a data de outorga não traduz a ordem seguida no início do respectivo processo em relação a cada um dos forais. A complexidade desta operação, exigindo, com frequência, inquirições locais e defrontando-se com resistências e contestações por parte das populações e de outros interessados, designadamente por parte das entidades senhoriais, que por vezes tiveram de ser resolvidas através de negociações, levaram a que os vários processos tivessem um calendarização diversa. Aquilo que acabamos de designar como outorga, a que corresponde a data assinalada no foral, não equivale à sua entrada em vigor. Esta dar-se-ia com a publicação na localidade a que o foral se destinava, feita por um corregedor ou outro alto funcionário régio, através da leitura do diploma em voz alta, perante as autoridades municipais e o povo, convocados para o efeito, sendo desse acto lavrada a correspondente acta, que se encontra com frequência exarada após o texto do foral, no exemplar destinado às várias localidades.


 

* * *
De seguida apresenta-se o quadro dos forais outorgados entre 1500 e 1520:
na primeira coluna indica-se o nome da localidade destinatária;
na segunda coluna, os Registos da Torre do Tombo:
AL = Livro dos Foraes Novos da Comarqua d’ Antre Tejo e Odiana
BE = Livro dos Foraes Novos da Comarqua da Beira
DM = Livro dos Foraes Novos da Comarqua d’ Antre Douro e Minho
ES = Livro dos Foraes Novos da Comarqua da Estremadura
TM= Livro dos Foraes Novos da Comarqua de Tra-los Montes;
na terceira coluna, mencionam-se os fólios respectivos;
na quarta coluna, a data de outorga (ou, melhor dito, de assinatura);
na quinta coluna, as referências a outros forais, como paradigmas;
na sexta coluna, o sinal » indica a inclusão num grupo de forais.
na sétima coluna, o concelho a que a localidade actualmente pertence.

     Como anomalias principais, além da já citada omissão do foral de Beja, notem-se a existência de algumas repetições, e a colocação de alguns forais num livro errado, como sucede, p.e., com o de Vila Nova de Cerveira, e o de Prado (junto a Braga), que aparecem no livro de Trás-os-Montes.


[1] A designação alcaide remonta ao período em que a jurisdição estava concentrada nas mãos da autoridade militar, nos tempos difíceis da reconquista, durante a qual esses municípios constituíam a linha de fronteira com os territórios sob o domínio muçulmano.
[2] Não era esta a designação inicial de tais documentos. Referiam-se uma vez simplesmente como «carta», tal como a generalidade dos documentos escritos, ou como «scriptum», algumas vezes como «decretum», mas a partir de meados do séc. XII divulga-se e generaliza-se a designação de «carta de foro». Foro é, no entanto, uma designação muito genérica, aplicada a realidades diferentes. Designa muitas vezes as rendas a pagar das propriedades rústicas e urbanas, e, com frequência, mais especificamente, a importância fixa ou «cânone» a pagar anualmente pelo domínio útil das terras, nos contratos de enfiteuse ou emprazamento, chamados também contratos de aforamento. Outras vezes, «foro» designa o estatuto social, jurídico ou fiscal de uma determinada classe ou grupo social, ou de uma determinada área ou sector: foro eclesiástico, foro de cavalei­ro, foro jurídico, foro de portagens. Muitas vezes aplica-se aos documentos de que nos estamos a ocupar, isto é, àqueles cujo assunto são as instituições municipais, mas designa tanto o documento em si como o conjunto ou uma parte das prescrições nele contidas, como a tabela das «portagens» ou o censo anual a pagar para o cofre régio. As «cartas de foro» podem classificar-se em três categorias: as de alcance puramente agrário, individuais ou colectivas, que estabelecem as condições de exploração da terra e os ónus a que a mesma está sujeita; as que estabelecem o estatuto jurídico-administrativo das comuni­dades, contendo as bases da sua organização interna, e regulando as suas relações com o poder central ou com aqueles que dele partilhavam em alguns momentos; finalmente, as que estabelecem mais pormenorizadamente as regras de funcionamento interno da comunidade, e, que na sua origem, resultam de uma compilação gradual de «costumes» ou, em latim, «consuetudines», ou do registo das interpretações ou sentenças dos juízes, a partir daí utilizadas como norma ou referência paradigmática. Apenas os documentos incluídos na segunda e terceira categoria interessam, de um modo geral, para o estudo das origens dos municípios e se podem incluir no grupo dos documentos, para que desde a terceira década do séc. XIV se generaliza gradual­mente a designação de foral, que hoje usamos e já era quase exclusiva nos últimos decénios do séc. XV. Aqueles que incluímos na segunda categoria são os forais breves, designadas na Espanha como cartas pueblas ou cartas de poblacion, e é a eles que vulgarmente se alude quando se fala simplesmente em forais. Os da terceira categoria são vulgarmente designados entre nós como forais extensos e, em regra, aparecem em localidades onde já existem forais breves.
[3] T.T., Forais Antigos, m. 10, n.º 7, fl. 31-36 v.º, com data de 1332, e 37-41 v.º, com data de 1378. Transcritos em Marcelo Caetano, A Administração Municipal de Lisboa durante a Primeira Dinastia (1179-1383), 3.ª edição, Lisboa, Livros Horizonte, 1990, p. 131-137 e 138-154. Há outras cópias em Forais Antigos, m. 3, n.º 2 (Foral de Borba), e ainda no Perg.º n.º 31 da Câmara Municipal de Alvito, transcrito por João Pedro Ribeiro, Dissertações Cronológicas e Críticas, Tomo III, 2.ª parte, Lisboa, 1813, p. 93-112, versão do final do reinado de D. Pedro I ou do início do reinado de D. Fernando. Como é de prever, são múltiplas as diferenças que se notam entre as diversas versões. A sigla T.T. , nesta nota e nas seguintes, designa o Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
[4] O regime introduzido pela Ordenação dos Pelouros foi parcialmente alterado pelo Regimento dos Corregedores, em 1418, e fixado pelas Ordenações Afonsinas, em 1446-1447 (Livro I, título 23, n.os 43-47). Manteve-se em vigor pelos tempos fora, vindo a ser profundamente alterado pelos Regimentos de 1601 e 1640, que introduziu um novo sistema eleitoral, designado como sistema de eleição por pautas de apuramento. Segundo as Ordenações Afonsinas, o corregedor devia chamar à Câmara os juízes, vereadores, procurador e homens bons, para escolherem seis pessoas, que, duas a duas, separadamente, indicariam as pessoas idóneas para o exercício dos vários cargos, em rol distinto para cada um deles. Ao corregedor régio, ou ao juiz mais velho na falta de magistrado régio letrado na terra, competia, contar os votos, seleccionando os mais votados, apurando a lista ou "pauta" dos eleitos; cada um dos nomes dessa pauta era encerrado num pelouro, guardado no saco ou arca, a aguardar o oportuno sorteio, em que as bolas de cera com o nome eram retiradas por um menino com o máximo de 7 anos de idade.
[5] T.T., Chancelaria de D. Afonso IV, liv. IV, fl. 2-107. O “Chamamento geral” foi concluído no reinado seguinte: T.T., Ch. D. Pedro I, liv. I, passim (fl. 27 e ss. até 103 v.º).
[6] Cf. João Pedro Ribeiro, l. c., p. 50-51.
[7] Marcelo Caetano, Regimento dos oficiaes das cidades, villas e lugares destes Regnos, ed. fac-símile do texto impresso por Valentim Fernandes em Lisboa, 1955, p. 17-18 (prefácio).
[8] T.T., Extravagantes da Suplicação, liv. 2.º, fl. 69. Cf. João Pedro Ribeiro, l. c., p. 8-14; Teófilo Braga., l. c., p. 116.
[9] T.T., Chancelaria de D. Manuel I, liv. I, fl. 43.
[10] O formulário completo usado nestes diplomas, incluindo a abertura, encontra-se nos forais de Silves, Estremoz, Santiago de Cacém e Elvas (L. F.N. de Entre Tejo e Guadiana, fl. 8 v.º-23, 25 v.º-30 v.º, 36 v.º-40, 55 v.º-61), Guarda (L. F. N. da Beira, fl. 1-5 v.º), Guimarães (L. F. N. de Entre Douro e Minho, fl. 7 v.º-12), fl. e Abrantes (L. F. N. da Estremadura, fl. 52-56 v.º).
[11] T.T., Extravagantes da Suplicação, liv. II, fl. 69.

[12] Citem-se, para amostra, os casos da Terra de S. Martinho, Facha, Geraz, Coura e Valdevez, que dependiam do Visconde de Vila Nova de Cerveira, referidos pela documentação da Torre do Tombo (p.e., Corpo Cronológico, Parte II, mç. 55, n.º 73: Carta do Visconde a agradecer a Fernão de Pina o cuidado posto nos forais de suas terras, pedindo-lhe que incluísse neles as pescarias de Valdevez, Beiral de Lima, Santo Estêvão, gado de vento, etc., 1515-02-19/1515-02-19). Quanto a Braga, sabemos que el-rei, em 11 de Outubro de 1516, solicitou ao Arcebispo a nomeação de um perito para com o corregedor da comarca elaborar o foral da dita cidade (T.T., Corpo Cronológico, Parte I, m.º 20, n.º 110). Será também esta a explicação para situações como a do Foral Novo de Guimarães, que, embora datado de 20 de Novembro de 1517, serviu de paradigma para certos capítulos de outros forais cuja data de outorga é anterior!

[13] Nota-se, pelo menos, a omissão do Foral de Beja, que, no entanto, é bem conhecido, e é possível que mais algum tenha escapado.
[14] T.T., Livro dos Forais Novos da Comarca d'Antre Douro e Minho, fl. 94-97v.º.

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